quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Termos da terminologia poética trovadoresca

 Cantiga de amor – cantiga em voz masculina, na definição mínima, que é a da Arte de Trovar.


Cantiga de amigo – cantiga em voz feminina, na definição mínima, que é a da Arte de Trovar.


Cantiga de amor dialogada – cantiga em forma de diálogo entre a voz masculina e feminina, mas iniciado pela voz masculina.

Cantiga de amigo dialogada – cantiga em forma de diálogo entre a voz feminina e masculina, mas iniciado pela voz feminina, ou em forma de diálogo entre duas vozes femininas.


Cantiga de escárnio e maldizer – cantiga de “dizer mal” ou satírica. A Arte de Trovar distingue duas modalidades: o “dizer mal” de forma coberta ou equívoca (escárnio) e o “dizer mal” de forma aberta e ostensiva (maldizer). Uma vez que a distinção, no que respeita aos textos concretos, nem sempre é simples, e uma vez também que os próprios trovadores utilizam várias vezes a expressão genérica “escárnio e maldizer”, é esta a designação que utilizamos nesta BD.


Cantiga de loor – cantiga de louvor a alguém.


Cantiga de seguir – cantiga que “segue” (toma como base) uma cantiga anterior. A Arte de Trovar distingue três modalidades de seguir: 1) mantendo apenas a música da cantiga primitiva, à qual se adaptam novos versos; 2) mantendo a música e também as rimas da cantiga primitiva; 3) mantendo a música, algumas das rimas e ainda alguns versos ou mesmo o refrão da cantiga primitiva, mas dando a estes versos ou ao refrão, pelo novo enquadramento, um outro sentido.


Escárnio de amigo – cantiga satírica em voz feminina.


Espúria – cantiga ou poema datando de época posterior à Lírica Galego-Portuguesa, da qual já não faz parte, mas que foi inserida, no período compreendido entre finais do século XIV e inícios do século XVI, em espaços deixados em branco nos manuscritos medievais. Tendo sido esses manuscritos copiados em Itália nas primeiras décadas do século XVI, essas cantigas foram igualmente copiadas (motivo pelo qual a letra com que surgem nos apógrafos italianos é a mesma das cantigas medievais que a rodeiam).


Gesta de maldizer – cantiga de maldizer em forma de gesta, ou seja, parodiando o género épico medieval (a narração dos feitos de um herói).


Lai – na Lírica Galego-Portuguesa, composição de matéria de Bretanha, de autor desconhecido, mas atribuída a uma ou várias personagens lendárias dos romances do ciclo bretão-arturiano.


Pastorela – cantiga lírico-narrativa, geralmente dialogada, que descreve um encontro entre um cavaleiro-trovador e uma pastora, num quadro campestre.


Pranto – cantiga elegíaca por ocasião da morte de alguém, que se homenageia.


Pranto de escárnio – cantiga satírica em forma de paródia ao pranto.


Sirventês moral – cantiga crítica de tema moral e genérico.


Tenção – cantiga em que intervêm dois trovadores, que discutem, em estrofes alternadas, um tema ou uma questão entre si. O primeiro a intervir é considerado, nos manuscritos, o autor da cantiga. O seu interlocutor tem de manter, na sua resposta, o esquema formal proposto na 1ª estrofe (métrico, rimático, etc.); a cada interveniente cabe o mesmo número de estrofes (ou ainda de findas, se a composição as tiver).


Cantiga de refrão – cantiga com estribilho.


Cantiga de refrão paralelística – cantiga cujo princípio estruturante é a repetição de versos numa sequência determinada (com refrão invariável). No paralelismo perfeito, com leixa-pren (deixa-toma), as estrofes são constituídas por dísticos que se repetem uma vez com variações mínimas, sendo o último verso de cada par de estrofes retomado no par de estrofes seguinte (num esquema de versos cuja versão mais simples se poderá descrever da seguinte forma: a, b, a’, b’, b, c, b’, c’, c, d, c’, d’, etc.).


Cantiga de mestria – cantiga sem refrão.


Descordo – cantiga cujas estrofes não obedecem à norma da isometria.


Cobras – estrofes ou coplas.


Finda – remate de uma cantiga, constituído por um, dois ou três versos finais (em casos raros, quatro). As cantigas podem ainda ter duas ou mais findas.


Cobras singulares – estrofes com séries de rimas diferentes (embora com o mesmo esquema rimático).

Cobras uníssonas – estrofes com uma única série de rimas, que se repetem em todas as estrofes (ou seja, além do esquema rimático, as terminações vocálicas dos versos são as mesmas em todas as estrofes).

Cobras doblas – estrofes com séries de rimas que se repetem a cada duas estrofes.


Ateúda – cantiga que não sofre interrupção sintática entre as estrofes, e onde o sentido se liga do primeiro ao último verso.

Ateúda atá finda – cantiga ateúda até à finda (ou seja, onde o processo de ligação estrófica se estende à finda).


Dobre – processo pelo qual se repetem palavras na mesma estrofe, em pontos que são fixos em todas as estrofes (ou seja, exemplificando: se na 1ª estrofe se repete a mesma palavra em dois pontos, nas estrofes seguintes deverá repetir-se uma outra palavra na mesma posição).

Mozdobre – processo semelhante ao dobre, mas com variação na flexão da palavra (exemplo: amar/amei).


Palavra perduda – verso de uma estrofe que não rima com nenhum outro (mas podendo ou não rimar com os versos correspondentes das estrofes seguintes).


Palavra-rima: palavra repetida em rima no mesmo verso de todas as estrofes.

«Ai flores, ai flores do verde pino», D. Dinis


Glossário:
v. 1 ‑ pino: pinheiro.
v. 3 – u é: onde está?
v. 8 ‑ do que pôs comigo: sobre aquilo que combinou comigo.
v. 14 ‑ sano: saudável, são.
v. 20 ‑ seera vosc’ant’o prazo saído: estará convosco antes de terminar o prazo.

Esta é, seguramente, a mais conhecida cantiga de D. Dinis, e uma das mais célebres da Lírica Galego-Portuguesa. Com inteira justiça, poderemos dizer, já que se trata de uma composição que exemplifica, de forma notável, o modo como a arte trovadoresca é, por vezes, capaz de alcançar uma extraordinária profundidade de campo através da sábia conjugação dos recursos (aparentemente) mais simples e elementares.
Não sendo este o espaço para uma análise aprofundada da riqueza e complexidade da cantiga, apontam-se apenas algumas das linhas que poderão eventualmente ajudar a esse entendimento:
- a cantiga pode dividir-se em dois momentos exatamente simétricos: a fala da donzela e a resposta das "flores do verde pino"
- o diálogo da donzela com estas (inusitadas) "flores" é exemplo único (na Lírica Galego-Portuguesa) de personificação da Natureza .
- o cenário (idílico mas isolado) onde a donzela se encontra decorre implicitamente deste diálogo (como implícito é o motivo da sua presença ali: decerto à espera do amigo)
- a técnica do paralelismo implica aqui, não uma repetição e amplificação do que é dito nas estrofes iniciais (como acontece frequentemente neste género de cantigas), mas uma verdadeira intensificação narrativa: o tempo passa, o seu amigo não vem, a donzela inquieta-se. Na sua fala inicial, por exemplo, ela passa rapidamente do simples pedido de notícias à hipótese de ele a ter enganado (o mentiroso!).
- na sua resposta, as flores sossegam-na. Note-se, no entanto, que esta resposta, no seu segmento inicial (o seu amigo está vivo e de saúde) não incide nas perguntas explícitas da donzela, mas antes na pergunta que ela não ousa formular: teria o seu amigo morrido?
- finalmente, no segmento final da resposta (ele virá antes de passar a hora combinada), percebemos que essa hora ainda não passou, ou seja, que a donzela chegou muito antes e que toda a sua inquietação não passa disso mesmo: inquietação de uma jovem apaixonada, sozinha num pinhal e insegura (e note-se como o refrão, inalterado, para isso contribui).



Funções Sintáticas

 




«Sedia-m’eu na ermida de San Simon», Meendinho

 



O Paralelismo